A propósito da peça construída por André Banha na Galeria Santa Clara e apresentada no dia 13 de Outubro de 2012



 
A sabedoria dos instintos, protagonizada por Dionísio, deus do vinho e a sabedoria das profundezas, do inconsciente, representada desde tempos imemoriais pela serpente confundem-se nas formas orgânicas e contorcidas da videira e da serpente.
Eva quando, desafiada pela serpente, come a maçã está, simbolicamente, a aceitar tomar consciência, a individualizar-se, a responsabilizar-se…pelo contrário, o vinho ausenta-nos da realidade e de nós próprios. Faz-nos regressar ao nível dos instintos. No entanto, abstractamente, a forma dos dois símbolos é idêntica, na videira e na serpente, tal como nos é apresentada pelo Yin e pelo Yan que, com duas cobras entrelaçadas, representa a união dos opostos.
Na escultura construída na Galeria Santa Clara, André Banha, seguindo a cadência das antigas e grossas cepas de videira existentes na casa, cria uma forma orgânica idêntica com misteriosa força animal que se ergue gritando a cidade.
Dentro da escultura adivinha-se luz, vida! Luz que jorra para o exterior sugerindo uma ligação telúrica às profundezas de Réa ou de Gaia (Terra) através das raízes desta criatura criada em madeira.
Feita de natureza, depois de assistirmos ao seu nascimento, iremos assistir à sua transformação até que desapareça e regresse de novo à Terra.
Será este o tema da peça que André Banha nos oferece ou representará antes uma imagem mais contemporânea da necessidade de uma divindade que nos traga uma luz de verdadeira sabedoria nestes tempos em que o materialismo cru domina por falta de afirmação da individualidade e autenticidade de cada um?
Uma criatura que desenterra e serve de canal para trazer à superfície tudo que está escondido nas profundezas confrontando-nos com uma realidade feita de ausência de princípios e valores, pautada por interesses materiais na qual as pessoas são apenas peças de palco para uns quantos encantadores?
Sugerindo que, como as serpentes também nós precisamos mudar de pele, renascendo para uma nova forma de estar assumidamente individualizada e iluminada, responsável e responsabilizante?
Ou “apenas”, rigorosamente, uma belíssima peça fruto de um momento de iluminada inspiração?
Olga Maia Seco
Directora da Galeria Santa Clara
Outubro 2012