A
sabedoria dos instintos, protagonizada por Dionísio, deus do vinho e a
sabedoria das profundezas, do inconsciente, representada desde tempos
imemoriais pela serpente confundem-se nas formas orgânicas e contorcidas da
videira e da serpente.
Eva
quando, desafiada pela serpente, come a maçã está, simbolicamente, a aceitar
tomar consciência, a individualizar-se, a responsabilizar-se…pelo contrário, o
vinho ausenta-nos da realidade e de nós próprios. Faz-nos regressar ao nível
dos instintos. No entanto, abstractamente, a forma dos dois símbolos é
idêntica, na videira e na serpente, tal como nos é apresentada pelo Yin e pelo
Yan que, com duas cobras entrelaçadas, representa a união dos opostos.
Na
escultura construída na Galeria Santa Clara, André Banha, seguindo a cadência
das antigas e grossas cepas de videira existentes na casa, cria uma forma orgânica
idêntica com misteriosa força animal que se ergue gritando a cidade.
Dentro
da escultura adivinha-se luz, vida! Luz que jorra para o exterior sugerindo uma
ligação telúrica às profundezas de Réa ou de Gaia (Terra) através das raízes
desta criatura criada em madeira.
Feita
de natureza, depois de assistirmos ao seu nascimento, iremos assistir à sua
transformação até que desapareça e regresse de novo à Terra.
Será
este o tema da peça que André Banha nos oferece ou representará antes uma
imagem mais contemporânea da necessidade de uma divindade que nos traga uma luz
de verdadeira sabedoria nestes tempos em que o materialismo cru domina por
falta de afirmação da individualidade e autenticidade de cada um?
Uma
criatura que desenterra e serve de canal para trazer à superfície tudo que está
escondido nas profundezas confrontando-nos com uma realidade feita de ausência
de princípios e valores, pautada por interesses materiais na qual as pessoas
são apenas peças de palco para uns quantos encantadores?
Sugerindo
que, como as serpentes também nós precisamos mudar de pele, renascendo para uma
nova forma de estar assumidamente individualizada e iluminada, responsável e
responsabilizante?
Ou
“apenas”, rigorosamente, uma belíssima peça fruto de um momento de iluminada
inspiração?
Olga Maia
Seco
Directora
da Galeria Santa Clara
Outubro
2012