Conheci-o através da sua montadora, que também era a sua namorada e que tinha uns vinte anos. Era uma miúda muito simpática, que disse: "Barnet está a chegar. Veja o que vou fazer". Foi na sua direcção e disse: "Meia-volta", e aquele homem enorme virou-lhe as costas, ela disse: "Eia, eia" e montou-se às suas costas. Foi assim que o conheci. Ele perguntou: Quem é este senhor? Respondi: "Sou realizador" (era a época em que filmava Aprel [Abril, 1961]). — Soviético, acrescentou ele, é sempre preciso dizer realizador soviético, é uma profissão precisa, meu caro. — Como? — Porque caso o senhor consiga ser honesto, o que me surpreenderia, terá sempre a possibilidade de eliminar o termo "soviético". Eu sou um realizador soviético, tornei-me isso há pouco tempo. Depois começamos a beber e ele disse: — Uma coisa fundamental, nunca veja os meus filmes duas vezes. — Porquê? — Porque são feitos para uma só vez. Além disso, acho que o senhor deveria ir passear e que, imaginados, os meus filmes são melhores. Porque não sou um farmacêutico, como Eisenstein: o que eu faço não envenena de imediato.Apaixonei-me pelo trabalho de Barnet quando vi U Samogo Sinevo Morya pela primeira vez. [...]Otar Iosseliani, citado por Bernard Eisenschitz e traduzido por António Rodrigues, Catálogo da Cinemateca dedicado a Boris Barnet, Lisboa, 1996